terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

“EKUI”, o baralho de cartas que veio mudar a inclusão em Portugal

A marca “EKUI” significa “Equidade, Knowledge (Conhecimento), Universalidade, Inclusão” e foi criada pela empreendedora social Celmira Macedo e desenvolvida pela Associação Leque, da qual Celmira é fundadora e também presidente.

“EKUI” é, assim, a primeira linha de material lúdico-didático inclusivo, que tem vindo a ser desenvolvida desde 2009, e cuja linguagem universal e acessível a toda a população a transforma numa verdadeira lufada de ar fresco, no que à inclusão, em Portugal, diz respeito. Senão vejamos: O EKUI Cards é um baralho que permite que crianças, com e sem necessidades especiais, aprendam o alfabeto na mesma sala de aula. É constituído por 26 cartas do alfabeto e inclui elementos como o Grafema da Letra e a Letra Manuscrita; a Letra em Braille Táctil e Braille Visual, Letra em Dactilologia (Alfabeto da Língua Gestual Portuguesa) e o Alfabeto Fonético.

“Em Portugal, é a primeira vez que crianças cegas, surdas, com autismo, disléxicas ou com qualquer outro tipo de limitação física ou cognitiva podem aprender o alfabeto, ao mesmo tempo, na mesma sala de aula. As pessoas com deficiência têm de aprender num meio o menos restritivo possível. E temos todos de aprender no mesmo espaço físico, com os mesmos materiais e da mesma forma. O EKUI vem operacionalizar essa inclusão, personificar o caminho da inclusão, para estas crianças e para todas as outras.”, realça Celmira Macedo, à margem de uma apresentação que fez, no Centro de Formação e Reabilitação Profissional (CFRP) da Cercimarante, sobre o seu percurso e projetos, a convite do grupo de suporte local de Amarante do Projeto Internacional Change!

Mas não se pense que estas cartas só se destinam às crianças: “Podem ser usadas por qualquer pessoa, em qualquer idade, por famílias, tivemos, por exemplo, muita gente neste último Natal que comprou o EKUI para oferecer aos filhos, sobrinhos ou aos filhos de amigos, ou mesmo aos amigos. É como oferecer a inclusão. E este jogo é tão simples, que o fantástico é ser mesmo assim, simples”, conta a empreendedora social.

Apesar da forte inovação deste projeto e de outros que tem vindo a criar, o caminho “não se tem afigurado fácil”, como reconhece. Em 2009, constituiu a Associação Leque - Associação de Pais e Amigos de Pessoas com Necessidades Especiais, que foi, em 2010, registada como uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sem fins lucrativos, sedeada em Alfândega da Fé, Bragança. Ainda nesse ano, fundou o Centro de Atendimento/Acompanhamento e Reabilitação para Pessoas com Deficiência que, só em 2016, conseguiu o apoio da Segurança Social. “As respostas que estão na Segurança Social estão tipificadas de uma determinada forma, há muitos anos. Não foram revistas, não acompanharam a evolução dos tempos, da sociedade, a vontade das pessoas com deficiência e a mudança da sua autodeterminação, e mesmo o facto de as famílias quererem a inclusão pura. Logo, todas as respostas sociais que sejam criadas e que saiam fora destas “caixinhas” não conseguem enquadrar-se em lado nenhum, e isso faz com que seja muito difícil chegar a esses apoios. Portanto, funcionamos fora dessas “caixas”. O que sentimos é que a inovação social não é acarinhada, e acaba por não tem financiamento. É uma situação difícil e até estranha”, lamenta Celmira Macedo.

Apesar de todos estes constrangimentos, o EKUI e o trabalho desenvolvido pela Leque não têm passado despercebidos a muitas entidades. O projeto EKUI já recebeu vários prémios, entre os quais o INSEAD Empreendedorismo Social, que visa reconhecer uma iniciativa de empreendedorismo social que aborde de forma inovadora, sustentável e eficaz um problema negligenciado da sociedade Portuguesa. Recebeu também o galardão Inclusão, e o Bootcamp do European Investiment Bank Institute, uma formação na Universidade Católica Business Scholl, em Lisboa. Esta quarta-feira, venceu a categoria Inovação e Sustentabilidade do Prémio António Sérgio 2016.

Com estas distinções, Celmira Macedo acredita que o EKUI está no caminho certo. “O EKUI, com certeza, será o caminho para o qual, durante dezenas de anos, tentamos caminhar para aquilo que é dito na Declaração de Salamanca, ou na Convenção das Pessoas com Deficiência”, realça. Ao mesmo tempo, vai recebendo feedback das escolas onde este “baralho de cartas” já está a ser utilizado, e onde “em média, a maior parte dos alunos aprendeu a ler mais rapidamente através do EKUI do que com outros métodos tradicionais”. Motivo pelo qual já se afirma que este projeto “está a mudar o paradigma da inclusão social”, em Portugal. “É uma enorme responsabilidade, mas é algo muito bom de se ouvir. Dá-nos um grande alento e leva-nos a dizer que, se alguém acredita em nós, e se podemos ser bons, iremos querer ser ainda melhores. Vamos querer mais, experimentar mais. Porque, em todo o país, há muitas crianças que ainda não têm o EKUI. E, enquanto todas elas não tiverem o EKUI, não vamos descansar”, garante Celmira Macedo.

Atualmente, a Associação Leque, em parceria com o Instituto Politécnico de Leiria, encontra-se a validar a componente fonética e a correlação que existe entre a língua gestual e a grafia, presentes nas EKUI Cards. “Há estudos científicos internacionais que nos dizem que há uma correlação positiva entre ambas, mas nós queremos ter os nossos próprios estudos”, assegura, e conclui: “Desta forma, queremos validar o impacto do EKUI no seu todo; no desenvolvimento de atitudes inclusivas nos alunos; nas crianças desde os três anos. Queremos também validar enquanto ferramenta pedagógica de fácil acesso aos professores. Queremos também validar o impacto da aprendizagem dos alunos sem necessidades educativas especiais e com necessidades educativas especiais; com problemas ao nível da fonética; alunos surdos; cegos; com dislexia, entre outros. Portanto, temos ainda um longo caminho de validações a fazer”.

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