Parecem bandos de pardais, os homens, as mulheres, empoleirados nas cerejeiras, depenicando-lhes os bagos vermelhos. As cerejas que dão fama a Resende e proveito ao agricultor. Este ano, menos, é verdade. Porque o frio levou metade.
Estão maduras, há que as apanhar. Senão virão os melros vestidos de escuro esconder-se na folhagem. E depenicar. "Com cuidadinho... não se podem ripar e têm de levar o pé!" avisa Francisco Tuna, agricultor de Barrô, a freguesia de Resende que abre a porta à Região Demarcada do Douro, com as videiras em pacífica convivência com as cerejeiras.
Duas destas árvores parecem animadas. Falam pela boca de António Matias, Alípio Miranda, Adérito Feliciano e Adriano Ferreira. Nelas pendurados, mãos livres para as dependurar a elas, às cerejas. No armazém, Tuna já alindou as caixas que há-de ter, reluzentes, no Festival da Cereja que se realiza hoje e amanhã na vila de Resende, organizado pela Câmara Municipal. "A gente ia ao Porto e ninguém identificava o concelho. Hoje fala-se em Resende e logo associam à capital de cereja", lembra.
Todo o ano
Francisco Tuna não escolheu os trabalhadores por terem nomes começados por A. Calhou. António e Alípio trabalham para ele o ano todo. Adérito, 68 anos, e Adriano, 74, estão aposentados mas a precisar de se entreter e de ganhar uns extras. Mas se o primeiro explica que foi mais para "dar a mão ao patrão, senão ainda havia de ficar sem pessoal para apanhar a cereja", o segundo vai directo ao assunto: "Já fui operado à próstata, ando a tomar remédios que custam cento e tal euros por mês, a pensão é de 300 euros e não chega. Tenho de lutar pela vida, não é?"
É. Calhou-lhes bem que o "patrão" tivesse dificuldade em arranjar pessoal. "Muitas vezes quase é preciso pedir por favor, para além de pagar cinco euros à hora", desabafa. Tanto Adérito como Adriano já se não aguentam a apanhar cereja o dia todo, mas entre estar no café e andar na apanha, admitem a segunda hipótese como mais saudável e rentável.
Talvez até passassem a tarde no café de Domingos Bernardo, que fica ali a meia dúzia de passadas, a beber uma tacita de tinto. Que, em bom abono da verdade, não lhes faltou durante a apanha. O garrafão encostado ao toro da cerejeira, de púcaro a abafar o gargalo, com indesmentíveis sinais de ter sido frequentado.
Tonelada e meia
Domingos ainda tem nas árvores "uns 300 quilitos de cereja". Afigura-se-lhe que este ano não irá além da tonelada e meia. Se o ano fosse bom seriam umas três. Metade tolheu-se, apodreceu, caiu. "A cereja é um fruto delicado. Nem sabemos se quer muita água ou muito calor, umas vezes vinga bem com frio, outras não".
Resolver semelhante dilema não lhe tira o sono e, valha a verdade, vender as cerejas também não. "Vendo algumas à beira da estrada e outras à Cermouros". É a esta empresa plantada às portas da vila de Resende que chega muita da produção vários concelhos do Douro Sul.
O sócio-gerente, José Almeida, estima que "é a empresa que mais cereja comercializa no país". Para este ano prevê cerca de 800 toneladas. "Num ano razoável poderia chegar às 1500 ou 1800". Toda ela vendida em Portugal.
Apesar da posição dominante, José Almeida veria com bons olhos mais concorrência. "Mais duas ou três casas como a Cermouros. Porque assim havia mais concentração do produto, o que era bom para fazer os preços", frisa o empresário, que não vê mal nenhum em que os produtores vendam a cereja junto à estrada.
Quem for a Resende este fim-de-semana verá Zaida Pinheiro com a sua produção às portas da Penajóia (Lamego). "Colheita própria, toda escolhida pela minha mão. Tão boas são no cimo como no fundo da caixa", garante.