Foi com enorme orgulho, alegria e esperança que tive oportunidade de visitar a última Feira do Vinho em Nelas, no coração do Dão, como gostam de dizer por lá. Com orgulho pela quantidade e qualidade das inúmeras marcas de vinhos, algumas delas a coleccionarem prémios e fama internacional. Vinhos produzidos em vinhas por onde passei momentos de trabalho e de ingénua alegria, como a Quinta de Lemos, em Passos de Silgueiros, a minha aldeia; vinha cujas uvas que serviam de lanche na ida ou regresso de uns mergulhos no rio Pavia, hoje está transformada numa das vinhais mais modernas da região.
Alegria por ver que muitas adegas e cooperativas conseguem vencer o destino, mantendo o espírito cooperativo, com gestão cada vez mais profissional, onde o critério da qualidade e racionalidade económicas é regra; de ver tantos homens e mulheres abraçarem com verdadeira paixão a arte de produzir vinhos com alma, de uma qualidade tão unânime como subjectiva. Parabéns, CVRD! Espero que vença as inúteis e sempre prejudiciais influências políticas para se concentrar na defesa e divulgação de um dos melhores vinhos do Mundo. Quem, como eu, trabalhou a vinha, olha para o vinho como um elemento de coesão e identidade culturais. Basta olhar para as paisagens do Douro, Património Mundial, para o gosto e sensibilidade de uma região ou de um povo… Nos dias de hoje, saber escolher, ou alimentar uma conversa sobre vinho, é matéria para especialistas; e a escolha do vinho passou a ser uma tarefa que define o sucesso ou fracasso de um almoço ou jantar.
É certo que os vinhos estão menos ligados a uma região, e hoje espelham o carácter do criador e menos a singularidade do local. A evolução técnica permitiu uma evolução mais resguardada dos caprichos da natureza. O risco pode ser a menor diversidade, o que desperta a necessidade de saber mais da região de origem e do seu produtor. Confesso que senti um desconhecimento que incomoda, apesar de ter crescido rodeado pela cultura do vinho, num mundo agrícola onde o valor económico do vinho era decisivo, de expressões populares de sabedoria simples mas verdadeiras como “só olham para o vinho que bebo, mas ninguém repara nas quedas que dou”, entre outras. Em Nelas, sentimos a pujança de um sector forte, cultural e economicamente, de gente que regressa à vinha e outros que começam agora.
Um reparo: o Vinho não está a ser o motor do que a lei considera património cultural - a “Gastronomia”. A Feira confirmou que o vinho continua de costas voltadas para o Queijo da Serra, para o pão e a doçaria regional; mas todos eles se complementam, todos eles são marcas de valor económico único na nossa região. O Turismo, nas suas inúmeras vertentes, só tem a ganhar.
Resta a esperança de, no futuro, ser possível provar um vinho ao mesmo tempo que se prova um queijo com um pão regional; de encontrar vinhos, licores e espumantes do Douro e Dão em todos os cantos do mundo; de saber que a fileira é geradora de mais riqueza, de postos de trabalho gerados por marcas distintivas da nossa região. Muito já foi feito, e bem. Estou certo que o futuro está salvaguardado: o mercado de vinhos em todo o mundo nunca esteve tão preparado para receber os nossos vinhos, hoje ao nível dos vinhos Chilenos, Argentinos, Californianos, italianos da Toscana, ou os Franceses de Bordeaux. O melhor dependerá do gosto de cada um. Para mim, é o que se bebe com a família ou amigos, e se for um bom Dão, como dizemos em Silgueiros, “prefiro que me faça mal a que se estrague”.