Temos vivido um conjunto de ilusões que vão deixar uma marca profunda nos que se atrasarem a regressar a realidade. É verdade que a responsabilidade do momento que a pátria atravessa não pode ser apenas de um governo: Portugal transformou-se, em 30 anos de democracia, num pais endividado e, por essa via, menos soberano e à mercê dos mercados e credores. Durante anos, PS e PSD, os partidos que repartiram entre si a governação do país, venderam ilusões de um crescimento assente em fundos comunitários, com promessas de reformas nunca concretizadas, de um Estado ao estilo de pai abastado que pode dar tudo a todos, e que acabou com uma máquina administrativa muito superior em grandeza à dimensão geográfica do País e a gastar muito mais do que é capaz de produzir.
Aqui chegados, a situação pode ser ilustrada por este pormenor: Portugal vai pagar só de juros 6.300 milhões de euros, superior ao orçamento previsto para a educação. É verdade que a crise é internacional, mas não afectará todos de maneira igual, países ou pessoas? O Primeiro-ministro iludiu o País anunciando o fim da crise, assegurando que não seriamos afectados, ou que estava o País preparado para ela. Depois da evidência de que tudo não passava de um engano, o Governo e o PS, com colaboração do PSD, criaram a ilusão que os problemas estavam identificados, e que tinham encontrado soluções. O PS apresentou o PEC 1, somou-lhe medidas adicionais conhecidas como PEC 2 (obrigando o PSD a pedir desculpas), assumindo que tudo seria diferente… Pura ilusão. A culpa não pode ser assacada aos mercados: na zona euro, as regras do jogo são conhecidas há muito. O que não nos disseram é que as metas seriam atingidas com aumento de impostos, cortes nas pensões sociais, ou em serviços essenciais como a saúde e educação, e nada - ou quase nada - na despesa do Estado.
Para acalmar ou iludir o País, os dois partidos, durante meses, deram a sensação de estar em caminhos opostos. Basta reler o que disseram Passos Coelho e José Sócrates, para acabarem por criar uma ilusão de negociação. Juntaram para isso dois dos principais responsáveis pelo estado das contas públicas: o actual Ministro das Finanças, que até agora vendeu a ilusão do mais competente do governo socialista, apesar de subscrever e liderar as finanças até à situação actual, e, do lado do PSD, para criar a ilusão de credibilidade, uma equipa fora do directório partidário, incluindo um ex-Ministro das Finanças de quem se esperavam soluções que nunca encontrou equanto Ministro. O resultado não podia ser diferente: interiorizaram de tal forma a ilusão, que julgam ter causado uma crise politica por não se terem entendido quanto ao próximo orçamento. Não faltou mesmo a ilusão e anúncios de Conferências de Imprensa para esclarecer tudo, e que acabam por não esclarecer nada, numa demonstração de irresponsabilidade e espectáculo que as pessoas, as empresas e as famílias não merecem.
Os dois partidos sabem que é fácil chegar a acordo. A margem de autonomia é muito reduzida, e as contas são simples: para atingir o défice de 4,6% basta que o Estado se imponha a si próprio os mesmos sacrifícios que pede aos portugueses. Estamos por isso a assistir à criação de ilusões para as clientelas partidárias, e para preparar os militantes para as eleições que estão cada vez mais próximas. Chegados aí veremos se continuamos num mundo de ilusões, ou se, pelo contrário, seremos todos capazes de uma reflexão colectiva que aponte para onde queremos caminhar. O País tem de mudar, e isso não acontecerá com este orçamento, nem com este Governo. Impõe-se a colaboração de todos, com ou sem maioria absoluta.