São cada vez mais evidentes os sinais exteriores do fim de ciclo politico. É clara a contradição entre os membros do governo: uns pedem um governo de salvação nacional, outros eleições, e outros ainda acham que vivemos na mais perfeita normalidade. Este clima teve esta semana um dado novo: surgiram as primeiras notícias de que o PS começa a ficar desconfortável com o seu líder. Este clima torna difícil, senão impossível, a governação que o País precisa - rigor e exigência na gestão da coisa pública, e prioridades no investimento. Concordo com aqueles que entendem que só um largo entendimento entre PS, PSD e CDS poderá dar confiança aos mercados e a estabilidade interna para resgatar o País do abismo. Para corrigir a rota são necessários vários anos, reformas difíceis e impopulares, e um novo modelo de intervenção do Estado. O sistema eleitoral permitiu todas as possibilidades: maiorias absolutas de um só partido, coligações e governos minoritários. O problema é que algumas reformas pedem mais tempo e mais estabilidade; em sectores como a justiça, saúde, educação e administração pública pedem um vasto consenso, com mais objectividade e menos política.
Um exemplo dessa necessidade é a discussão sobre as Obras Públicas (TGV e não só) que houve esta semana no Parlamento: houve momentos em que parece que o País deixou de ter problemas económicos, ou está imune à crise, e houve momentos em que o País se encontrou em risco elevado de recorrer a ajuda externa, como afirmou o Ministro das Finanças numa entrevista a um jornal Inglês. Nuns dias estamos como a Irlanda, noutros como a Espanha, e noutros nem como a Espanha nem como a Irlanda. Num dia, o Ministro das Obras Públicas diz que a despesa com o TGV está controlada, num outro a Dr.ª. Manuela Ferreira Leite afirma que a discussão não faz sentido, pela simples razão que não haverá dinheiro. A verdade é que todas as obras enunciadas encerram em si inúmeras vantagens. A questão é se haverá dinheiro para pagar. Importa por isso definir quais serão as obras que ajudam o País a sair da crise, e aquelas cujo efeito é residual - logo, que podem ser adiadas. Para tal, o governo propôs ao PSD a criação de um grupo de trabalho para fazer o que deve ser feito. Transcrevo aqui a alínea a) do ponto 5º do acordo: “Quanto às parcerias Público-Privadas (PPP) e Concessões, que implicam encargos para os contribuintes, hoje e no futuro, ambas as delegações convergiram na necessidade de as reponderar e reavaliar atendendo ao contexto actual de financiamento da economia portuguesa, a qual obriga à redefinição de prioridades na alocação de recursos…”. Acontece que não há até à data grupo de trabalho, mas o Ministro das Obras Públicas e o director-geral do concessionário anunciam o inicio da obra para Fevereiro/Março de 2011.
Portugal estará fortemente endividado. Em 2010, o governo tem aumentado a dívida externa numa média mensal de 2 mil milhões de euros. Para perceber melhor estes valores, são quase o custo de duas Pontes Vasco da Gama. Por ano serão 24 mil milhões de euros, ou seja, quase 24 pontes Vasco da Gama. Esta é uma situação insustentável, e a maioria dos investimentos nas PPP e concessões na rodovia, ferrovia, hospitais, barragens etc., somam um valor que o País não pode suportar, principalmente porque a maioria do capital terá de ser obtido com recurso a empréstimos no estrangeiro, com uma taxa de juro acima dos 7% - que, segundo o critério (não explicado) do Ministro das Finanças, é o passaporte de entrada do FMI. Preocupa-me a ideia que o acordo PS/PSD possa ser um acordo de “faz de conta”, e não para definir, como o próprio diz, prioridades.
Os únicos investimentos em infra-estruturas que se devem fazer são aqueles que podem tornar a economia mais competitiva, que possam contribuir para o aumento das exportações, ou potenciar as economias locais - como por exemplo a auto-estrada Viseu/Coimbra, que também esta semana se ficou a saber que não passou de promessa eleitoral. No momento em que o País mais precisa de credibilidade e serenidade, os membros do governo não param de dar entrevistas contraditórias, são ignorados pelo Primeiro-ministro, como são ignorados os apelos do Presidente da República, ao jeito do “porque no te callas”, pedindo poupança nas palavras. A situação exige de todos muito trabalho.
Termino com um sinal evidente do momento que atravessamos: a causa de Timor (um país inviável para muitos) foi aquela que mais mobilizou a minha geração. Não deixo de registar com agrado e preocupação o pedido de ajuda solicitado a este país irmão: agrado pelo sucesso de Timor, preocupação pela situação a que chegámos.