Hélder Amaral Deputado do CDS-PP |
Não pretendo efectuar uma discussão jurídica. Mas há uma percepção que se tem de que existe corrupção. Existe em Portugal uma cultura de corrupção, e existem até combatentes de sempre da corrupção, como o ex-ministro João Cravinho. Que pena não o ter visto no tempo de Ministro das Obras Públicas, numa altura em que a JAE (Junta Autónoma das Estradas) estava mergulhada em suspeitas de corrupção, com denúncias públicas, e que o Ministro da altura preferiu ignorar, transformando a JAE em EP (Estradas de Portugal), e eliminando a possibilidade de com rigor se saber a verdade. Fica por saber o que mudou em João Cravinho.
Vários estudos revelam que os portugueses condenam a corrupção enquanto suborno ou a extorsão, mas toleram as suas manifestações mais cinzentas, como por exemplo a prática mais corrente: puxar os cordelinhos. Este tipo de desvio é muito frequente nas autarquias ou nos serviços desconcentrados do Estado, uma vez que a familiarização é maior, e os hábitos dão a estas condutas um carácter de normalidade, alterando a percepção de quem beneficia ou não deste procedimento. Para trás fica o princípio da legalidade e o primado da lei; ou seja, de actuar conforme a lei. É comum acelerar uma consulta, uma licença ou um requerimento. É também curioso que o nível de condenação e de percepção da corrupção da classe política seja elevado. Mas mais curioso é ver que o parlamento e os governos, mesmos sem os últimos casos, não gozam de grande credibilidade.
Merece por Isso reflexão saber porque motivo existe. A população em geral condena e confia cada vez menos num órgão da administração central ou de soberania, como a AR, que não conhecem e às vezes não percebem, mas quando se trata do poder local, aquele que todos conhecem e ouvem as suas histórias, essa condenação não existe, pelo menos em igual grau. É frequente ver reeleitos autarcas condenados, ou sobre quem pendem acusações graves. Outro dos problemas é a dimensão do Estado: não há, nem se prova, uma relação directa “quanto maior é o estado, maior é a corrupção”. Em abono da verdade, o problema não está no tamanho: está na qualidade. Mas é verdade que um Estado burocrático dá oportunidade ao pequeno tráfico de influências, à violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade. Falta mudar este estado de tendencial aceitação e desculpabilização.
Portugal não está sozinho, e há países com níveis de corrupção mais elevados. Mas há mais sentido crítico, por exemplo no Brasil: na minha última visita a este país, dei conta de um grande movimento cívico contra a corrupção; na visita a Brasília, encontrei uma manifestação, e quando perguntei do que se tratava, foi-me oferecida uma t-shirt que dizia “Não roube os políticos, eles detestam concorrência”. Impossível ver algo assim em Portugal, fora dos programas de humor. Por cá, é mais utilizada uma expressão do país irmão: “me engana que eu gosto”. Ou seja, o eleitorado sente-se enganado pelo PS, vota PSD; sente-se enganado pelo PSD, vota PS.
Maior transparência significa uma melhoria da atitude em relação ao poder político. Importa por isso ir mais longe na informação da acção governativa, para além de um regresso rápido à política com valores, com ética, com princípios, sem interferência na vida das instituições, e sem premiar os que prevaricam. Exemplos de maus gestores premiados com reformas chorudas, de reformados de uma empresa pública com ordenados de luxo, ou de pessoal político incompetente mas fiel, não faltam. Porém, a corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios.