Hélder Amaral Deputado do CDS-PP |
Outro caso que diz bem da vontade de criar polémica aconteceu com o Pingo Doce: dos telejornais a comentários, passando pelas redes sociais apelando ao boicote, acusando a família Soares dos Santos de abandonar o país, etc. Depois de uma análise mais cuidada e isenta, percebeu-se que outras empresas bem mais relevantes para a vida de cada um já tinham vendido participações a SGPS na Holanda, por razões bem atendíveis, como o acesso ao crédito e a um sistema fiscal estável (sendo que os impostos da família serão pagos em Portugal). Ou seja, acabaram todos a “meter a viola no saco”. Não muito diferente foi a polémica em torno da sugestão do Primeiro-Ministro para que os professores emigrassem em busca de emprego. Manuel Alegre condena a afirmação e diz que o Governo não tem condições para continuar à frente do País, diz alguém que “fugiu” do País, acompanhado por Carvalho da Silva, e considera criminosa a postura do primeiro-ministro. Que dizer de quem faz de conta que negoceia para, na hora da verdade, virar as costas à concertação social e, assim, ao País…
Mas o que melhor explica a reserva mental de alguma imprensa sucedeu na SIC: sobre os desafios de Portugal para 2012, falava-se de saúde, e a jornalista questionou António Barreto se este não achava “abominável” discutir-se se alguém de 70 anos deve ter direito a tratamentos de hemodiálise. A resposta, porém, foi dada por Manuela Ferreira Leite, que disse que este tipo de doentes “tem sempre direito se pagar”, acrescentando ainda que “o que não é possível é manter-se um Sistema Nacional de Saúde como o nosso, que é bom, gratuito para toda a gente”. Ou seja fica fácil perceber que a ideia é dizer que quem pode pagar deve pagar, como clarificou Manuela Ferreira Leite, mas não evitou a polémica. Note-se o que disseram os outros representantes da esquerda: um dos mais prestigiados cientistas portugueses, o Prof. Sobrinho Simões, disse que os gastos na saúde precisam não só de ser racionalizados, como de ser racionados. António Barreto concordou e apontou dilemas difíceis: a partir de certas idades justificar-se-ão tratamentos muito caros? Ou seja, racionar os serviços de saúde não incomodou ninguém. Palavras para quê?
Um último exemplo de rigor jornalístico: um jornal diário escreveu a letras gordas, na primeira página: “Ministros de Passos já fizeram mais nomeações do que primeiro Governo de Sócrates” (estaria sempre tecnicamente errado, mesmo abstraindo do anómalo critério usado para comparar números de nomeações). Significa que o actual primeiro-ministro nomeou, em sete meses, mais gente do que o seu antecessor em mais de quatro anos, que foi quanto durou o executivo formado após as eleições de 2005. O que não só é grosseiramente falso, como não corresponde sequer ao que se pretenderia afirmar, pois tanto o texto como a infografia das páginas do interior explicavam que só foram considerados dois meses e meio (os iniciais, presume-se) da vida desse governo. O Governo tem no seu site toda a informação, e é papel do jornalismo verificá-los. Se o não faz, é dever do jornalismo investigá-los. Mas isso dá trabalho e, mais do que isso, não ajuda a estratégia de desinformação, e a tentativa de não permitir que o País se concentre no que verdadeiramente interessa.