Hélder Amaral Deputado do CDS-PP |
Todos sabemos que o serviço dos tribunais se encontra deficientemente distribuído, exigindo-se por outro lado aos Magistrados que abarquem um vasto conjunto de conhecimentos, das mais diversas áreas (civil, criminal, comercial, família, menores, etc.), o que não facilita a rapidez das decisões. A especialização dos tribunais é, assim, fundamental para obter uma maior produtividade. Este é um dos objectivos prosseguidos com a reforma colocada agora em discussão pública – e com o qual concordo inteiramente.
O que tem gerado, nos últimos dias, maior contestação é a proposta de extinção de vários tribunais. No nosso distrito, o Ensaio propõe a extinção de seis tribunais de comarca: Resende, Armamar, Tabuaço, Castro Daire, Oliveira de Frades e Nelas. Não se compreende bem qual o critério utilizado para a opção por estas comarcas, e não quaisquer outras. Na verdade, para a escolha dos tribunais a extinguir, os autores do Ensaio utilizaram dois critérios: o número de processos entrados em cada um dos tribunais, e as acessibilidades a um tribunal próximo. Salvo o devido respeito, são dois critérios que conduzem a resultados surpreendentes.
Em primeiro lugar, o Ensaio considera o número de processos entrados em dois anos, nunca referindo os processos pendentes em cada um desses tribunais. Isto leva, por exemplo, a que o tribunal de Nelas, que tem uma pendência elevada, justificando que aí se encontrem em funções dois juízes (apesar de o Ensaio não referir qualquer juiz), seja extinto e os processos transitem para Mangualde, onde a pendência é igualmente elevada, tendo dois juízes no quadro; e que, para todos estes processos, o Ensaio conclua que basta um juiz para tratar de todo o serviço que os actuais 4 fazem… Parece absurdo.
Em segundo lugar, os autores do Ensaio recorreram ao programa da internet “Via Michelin” para obterem as distâncias entre a sede de dois concelhos onde estão instalados tribunais, para concluírem que se demora menos de uma hora a percorrer a distância entre os tribunais – justificando assim a extinção de um deles. Parece esquecer que os concelhos não se resumem à sua sede: saberão os autores do Ensaio como são os acessos entre Resende e Cinfães? E qual a distância entre a freguesia mais longínqua do concelho de Resende à localidade de Cinfães? E quais os transportes públicos (in)existentes? Para além dos problemas geográficos e de clima, factores que mais dificultam os acessos.
E se as acessibilidades e distância constitui critério, porque não extinguir Mangualde, Sátão (cujo tribunal nem sequer tem instalações dignas desse nome), Tondela, ou S. Pedro do Sul? Parece razoável que se aproveitem os quase incomportáveis investimentos feitos em auto-estradas, que encurtaram em muito as distâncias entre vários aglomerados urbanos. Porque não centralizar em Viseu mais serviço?
Finalmente, cria-se, em substituição dos dois círculos judiciais de Viseu e Lamego, uma única sede da estrutura judicial do distrito, em Viseu. Encontra-se prevista a criação de uma Secção Central, cível e criminal, cuja competência abrange todo o distrito de Viseu – com um quadro previsto de 5 juízes, contra os 8 actualmente em funções (6 em Viseu, 2 em Lamego, e exceptuando Nelas, que actualmente pertence a Seia), que terão de percorrer todos os tribunais do distrito para julgar as acções cíveis de valor superior a € 30.000, e os crimes puníveis com prisão superior a 5 anos (em tribunal colectivo, ou seja, com intervenção de 3 juízes). Mesmo que – como se espera – sejam agilizadas as regras de processo, reforma que igualmente será feita para combater a morosidade processual, será muito difícil obter, nestes processos, um julgamento rápido. O distrito abrange uma área geográfica extensa, e não será difícil adivinhar agendamentos dilatados no tempo.
Estranha-se, ainda, que o Ministério da Justiça regresse agora à realidade dos distritos, quando em outras reformas do Estado (turismo, rede de saúde, comunidades intermunicipais) se parte da organização com base nas NUT’s.
Este Ensaio é apenas um ponto de partida. Espero pela mobilização das autarquias visadas, uma vez que também são responsáveis: não conseguiram fixar a sua população, nem criar estratégias de desenvolvimento que possibilitassem evitar propostas como esta, como já sucedeu com o encerramento de escolas e de centros de saúde. A aposta em obras públicas, essencialmente de betão, em detrimento da captação de investimento, da protecção das actividades económicas locais, e da recuperação do património, revelaram-se fatais para o equilíbrio económico.