Hélder Amaral Deputado do CDS-PP |
A fatura prometida chegou agora, e chegou com estrondo. Não temos economia, nem demografia, nem plano evidente para resolver o problema. Vamos todos ter que decidir se é este o Estado que queremos, se é este o Estado que aceitamos financiar… Se não é, então qual? É urgente que o Estado deixe de fazer o que faz mal, e faça melhor o que só ele pode fazer. Nas duas próximas avaliações, estamos obrigados a cortar na despesa 4 mil milhões de euros. Mas alguém me quer dizer como e onde, com o atual Estado?
O país não está habituado a fazer sacrifícios. Tem sido assim nas empresas do Estado, que têm uma dívida colossal, onde sempre se gastou como se não houvesse amanhã; e nos desvios de tempo e preço nas obras públicas, cujo pior exemplo são as PPP’s (parcerias público-privadas). Dizia a controladora financeira do Ministério das Obras Públicas, no 1º governo de Sócrates, para justificar o descontrolo, que “havia crédito, havia megalomania, e a fatura era para pagar depois”. Foi sempre assim. Foi assim na Madeira, e é assim no poder autárquico. As eleições foram ganhas com obra para as próximas eleições, e não para o crescimento sustentado ou para as próximas gerações. Foi também assim nas prestações sociais, onde o rigor perdeu para o facilitismo, sempre ao sabor dos calendários eleitorais. O problema nas finanças públicas leva décadas de descontrolo, com a participação de muitos que hoje alertam que «dívida de hoje são impostos de amanhã»… Bem podiam ter pensado nisso antes…
A crise que marcou a primeira metade dos anos 80 em Portugal foi grave. Quem tem mémoria desses tempos sabe como foi: salários em atraso, falências, desemprego e bolsas de fome. Percebe-se mal que, apesar disso, não se tenha tirado desse período nenhuma lição: o País continua sem uma cultura de exigência. Ela é visivel em vários sectores da sociedade - desde a política, onde a exigência é substituida pela critica fácil e a ofensa gratuita, o mérito é desvalorizado, e os melhores fogem; a universidade recebe mal quem não pertence às elites e se esforça, se sacrifica, e não valoriza aqueles que dos pais receberam apenas a vida; valem sempre mais os grupos corporativos que o sacrifício e a entrega. A comunicação social olha para o País como se de uma “casa dos segredos” se tratasse. O horário nobre não é ocupado pelos inúmeros empresários que venceram dificuldades, por empreendedores e inovadores, pela excelência académica, ou por bons exemplos de gestão pública ou privada. Aqueles que subiram a pulso na vida são sempre olhados pela comunicação social com desconfiança e com desprezo; não é bom mostrar estes exemplos, não vá alguém lembrar-se de que é preciso trabalhar e fazer sacrifícios. A opção é pela história fácil, pelos feitos que não sobrevivem a dois telejornais.
Esta estranha forma de vida encontra exemplos mais evidentes e percetíveis no desporto: é injusta e incompreensível a forma como o País ignora, ou não vibra, com os feitos desportivos do FCP - que não é o meu clube do coração, mas é um bom exemplo de sacrifício e crescimento que num País pequeno, e na sua segunda cidade, tenha surgido um clube que numa década se bate com os maiores da Europa.
Precisamos de mudar de vida urgentemente. Precisamos de um desígnio nacional que mobilize os portugueses, de um País mais ambicioso, de mais rasgo, de mais ilusão, de valorizar o que temos, de mais exigência com cada um de nós. Não temos alternativa ao sacrifício. Não há alternativa ao cumprimento. E para cumprir, só com austeridade. A austeridade não potencia o crescimento, e sem crescimento não poderemos pagar a dívida. Não nos resta, por isso, outra alternativa que não seja trabalho, e um plano que resolva os problemas do Estado.
É necessário um Estado, se possível, mais barato, mas fundamentalmente mais eficiente e rigoroso. E uma estratégia para potenciar as vantagens competitivas região a região, sector a sector. Viseu tem fatores de competitividade diferentes de Tavira, mas ambas as cidades fazem parte de um Portugal global. Precisamos de um Estado de procedimentos normalizados, no poder central local e regional. Já não chega o dinheiro do Estado atirado para cima da economia, como se fosse um pozinho mágico. Fomos afogados em medidas de crescimento: estradas desnecessárias, escolas sumptuárias, obras e obrinhas locais e centrais que deviam ter animado a economia. Todas elas nos foram apresentadas como estruturantes, todas elas tinham financiamento e retorno garantidos, postos de trabalho directos e indiretos para todos. Resultou? Não, resultou numa década inteira de investimento nunca visto, num crecsimento de 0,6% com três ou quatro recessões, a acumulação de uma dívida impossível de pagar, e um brinde amargo.
A austeridade que estamos a viver é a conta final da política assente na despesa como motor da economia. Vamos mesmo ter que mudar, e mudar não apenas para resolver o problema de hoje. A mudança tem que ser estrutural. Se assim não for, não vale a pena esperar resultados diferentes.