Entrevista ao Diretor do Externato D. Afonso Henriques - Pe. José Augusto Marques
Para saber o atual estado da educação em Portugal e no concelho de Resende, o Notícias de Resende decidiu entrevistar o diretor do Externato D. Afonso Henriques, Pe. José Augusto Marques. Nesta entrevista poderá conhecer melhor a escola, as suas ambições, as várias dificuldades tidas nos últimos anos, entre outros assuntos.
Rafael Barbosa (RB): Externato D.
Afonso Henriques, uma das escolas distritais com um passado muito positivo. Como
vê o seu percurso, o passado, o presente e o futuro do estabelecimento de
ensino?
Pe. José
Augusto Marques (JAM): O
Externato D. Afonso Henriques é uma Escola de Ensino Particular e Cooperativo
com sede em Resende, distrito de Viseu, propriedade da Diocese de Lamego e
administrada pela Paróquia de Resende. Surgiu em 1963, em instalações alugadas
no lugar de Massas, para alunos do 5º ao 9º ano, dando resposta de continuidade
educativa às crianças que terminavam a escola primária. Durante mais de uma
década foi a única resposta educativa de serviço público no concelho. Quando surgiu
a Escola EB2 (em 1977 - então EB2/3), o Externato foi-se extinguindo nestes
anos e viria a reabrir em novas instalações junto da igreja paroquial, agora
para dar resposta à continuidade dos alunos que saíam da Escola EB2/3 e que, de
outra forma, terminariam aqui o seu percurso educativo. Até 1987 foi a única
Escola com Ensino Secundário no concelho. Desde então, com a construção da
Escola ES/3 D. Egas Moniz, ambas têm coabitado com os mesmos níveis de ensino,
algumas áreas comuns e outras distintas.
Do
seu passado, contamos 50 anos (a completar em outubro, próximo) de serviço
público de educação à comunidade de Resende, de Baião e até de toda a Diocese
de Lamego, já que também foi acolhendo os alunos que têm ingressado no
Seminário Menor. Com as dificuldades próprias da interioridade, esta
Instituição tem procurado dar a melhor resposta aos jovens alunos cujos pais
escolhem o nosso Projeto Educativo como orientação para o futuro dos seus
filhos. Orgulhamo-nos do nosso passado, porque daqui têm saído milhares de
jovens que, nas mais diversas universidades do país, têm honrado esta “família”
que os ajudou a crescer. Congratulamo-nos com os milhares de profissionais que
em todo o país continuam a sentir as marcas dos seus educadores.
No
presente, vivemos a expectativa dum futuro incerto, sem perder de vista as
bases do nosso Projeto Educativo alicerçado num ensino integral dos nossos
jovens com exigência e qualidade, sempre fundado nos valores do humanismo
católico. Procuramos manter a qualidade duma escola que se preocupa em educar e
preparar para a vida.
O
futuro, gostaríamos que fosse aquele que as famílias de Resende pudessem escolher…
se às famílias compete escolher o tipo de educação que querem para os seus filhos,
gostaríamos de continuar a oferecer a nossa proposta educativa baseada num Projeto
humanista-cristão, numa educação integral dos jovens, num ambiente familiar e
de proximidade, com exigência e qualidade, sempre alicerçado pelo testemunho da
história que fala por nós.
RB: Como vê a educação no concelho
de Resende? Segue os mesmos passos que o país?
JAM: A educação no concelho de Resende segue, em linhas gerais, os
mesmos processos da que se vive em todo o país, embora apresentando
caraterísticas próprias, partilhadas de modo geral pelos concelhos do interior.
Não é difícil encontrar no nosso concelho, de forma mais acentuada, as marcas
da interioridade, com consequências mais problemáticas para as novas gerações.
O baixo índice cultural da população concelhia, os baixos rendimentos
económicos da larga maioria das famílias, os reduzidíssimos níveis de
empregabilidade que o concelho oferece principalmente para pessoas com formação
superior, os elevados índices de desemprego e de emprego sazonal e precário, a
elevada quantidade de famílias a viverem dependentes de subsídios estatais, as
baixas expectativas em relação ao futuro, os índices elevados de emigração, as
baixas ambições acomodadas a uma economia de subsistência, etc, tudo isto afeta
de modo significativo a mentalidade dos nossos jovens que crescem neste
ambiente e têm dificuldade em criar objetivos mais elevados e, aqueles que os
perspetivam e singram no ensino superior, procuram outras paragens e não
regressam como mais vaila para o concelho. Assim, a população residente tende a
evoluir muito lentamente, porque, em geral, só os acomodados a estes curtos
horizontes se mantêm cá.
RB: Com as novas políticas
educacionais implementadas, a qualidade do ensino secundário/básico estará em
risco?
JAM: Muito provavelmente a tendência poderá passar por aí. O
investimento na educação nunca poderá ser visto como um gasto desnecessário ou
supérfluo. O futuro duma terra será o que forem as suas gentes, portanto
investir nas pessoas nunca é um mau investimento, principalmente naquelas que
têm a missão de construir o futuro, os mais jovens. O aumento de alunos por
turma, a redução dos currículos, a diminuição de professores nas escolas, o
aumento significativo das cargas horárias dos professores, a crescente burocratização
do ensino e a redução do tempo disponível para os professores se dedicarem ao
essencial – ensinar, são algumas das razões que poderão afetar de forma
significativa a qualidade do ensino em Portugal.
RB: Há cerca de dois anos o
anterior governo cortaria nas despesas do ensino particular e cooperativo.
Certamente que o Externato D. Afonso Henriques sofreu com essa medida, polémica
para alguns. Este ano a escola conta com menos uma turma do ensino básico,
menos docentes. Espera-se mais alguma medida nos próximos tempos, face aos cortes
financeiros?
JAM: Os últimos dois anos têm sido difíceis para todo o país a nível
geral e, naturalmente, a educação não escapa a este estado de coisas, tendo
necessariamente que contribuir com a sua parte de esforço no sentido de ajudar
o país a melhorar a sua situação. O ensino Particular e Cooperativo foi o
primeiro setor a sofrer o embate com cortes aplicados de imediato com o ano
letivo em andamento, contrariando planificações e projetos já estabelecidos
para todo o ano letivo. Não foi fácil e não tem sido fácil gerir os cortes e
limitações que, desde então, têm sido impostos. Ver partir 30% dos professores
no espaço de 2 anos por redução dos currículos ou imposição de redução de
alunos, não é propriamente uma situação agradável de gerir. Também não tem sido
fácil gerir as estruturas e funcionamento com todas as poupanças impostas mas,
com a compreensão e entreajuda de todos, vamos conseguindo remediar as
situações mais urgentes. O que não é possível é garantir trabalho aos
professores sem aulas ou sem alunos. Neste momento, tudo o que se possa dizer
em relação ao futuro próximo é mera especulação. As coisas mudam tão
rapidamente ao nível das políticas em geral e da educação em especial que seria
leviandade da minha parte querer imaginar o que será o ano letivo de 2013-14,
muito menos os anos seguintes. De uma coisa eu estou certo, continuaremos a ter
anos difíceis e a suportar os efeitos duma crise que tende a prolongar-se.
RB: Visualizando a atual crise
económica que enfrentamos, aplicaria quais medidas políticas educacionais,
quais extinguiria ou que outras alternativas sugeria?
JAM: A crise que vivemos é resultante dos excessos que se cometeram. É
pena que sejam sempre os mesmos a pagar as crises, na maioria dos casos, os que
menos culpa têm. E é lamentável que nunca sejam responsabilizados os que
conduziram o país a este estado de coisas. A educação, a par com a saúde, são
os setores da vida pública que mais diretamente são afetados com as medidas de
austeridade, porque são aqueles que, envolvendo mais pessoas, mais facilmente
podem produzir efeitos de recuperação à custa dos sacrifícios das pessoas. Porém,
a longo prazo, este é o maior crime que se comete em relação ao futuro dum
país. Nivelando a educação por baixo, estaremos a desqualificar as futuras
gerações e a hipotecar o desenvolvimento do país. Antes de cortar na educação, deveríamos
explorar todos os outros setores onde os desperdícios são mais evidentes e não
são reflexo do essencial e do necessário. O país deve sair desta crise, mas
temo que sair dela economicamente custe um preço demasiado elevado, o de cavar
uma crise geracional de décadas por se ter desinvestido nas pessoas em
detrimento das coisas. Ao nível da educação, o investimento deve ser
preferencialmente nas pessoas, nos alunos, no seu futuro, na formação da sua
personalidade como homens, como cidadãos e como futuros profissionais.
Naturalmente isso implica investir nos professores como agentes diretos deste
percurso, nos auxiliares de ação educativa, nas famílias como suporte de apoio
e de acompanhamento responsável deste caminho. Criar nas escolas um ambiente de
proximidade onde as pessoas se relacionam e não são meros números duma
engrenagem, onde alunos, professores, funcionários e famílias se conhecem e se
complementam no desenvolvimento de pessoas e cidadãos responsáveis e de
profissionais competentes, será um contributo válido para um futuro melhor.
RB: Com as novas instalações da
Escola Secundária D. Egas Moniz, a prioridade em o estado investir mais no
ensino público, acha que os alunos irão preferir mais a escola pública? Que
vantagens oferece o Externato D. Afonso Henriques aos alunos?
JAM: Em primeiro lugar gostaria de esclarecer que o Externato D. Afonso
Henriques também é serviço público de educação e começou a sê-lo antes de
qualquer outra escola estatal em Resende. Os investimentos em curso na Escola
Secundária D. Egas Moniz revelam-se desproporcionados para as necessidades
educativas do concelho atualmente, muito mais num futuro muito próximo. A
legislação em vigor referente à organização da rede escolar diz que qualquer
construção de novos edifícios escolares ou reconstrução deve ter em conta a
oferta existente, incluindo escolas com contrato de associação (Decreto-Lei nº
108/88 de 31 de março). Ora, em face da oferta existente e da redução progressiva
do número de alunos no concelho, a obra em curso é, no meu entender, desproporcionada
para as necessidades.
Se os alunos vão preferir a Escola Estatal ou o Externato, só eles o
poderão dizer ou decidir, juntamente com as suas famílias, porque é à família
que compete escolher o tipo de ensino que pretende para os seus educandos. O
Externato continuará a oferecer o seu Projeto Educativo como mais-valia para os
jovens de Resende.
O Externato D. Afonso Henriques é uma comunidade
educativa que tem como objetivo a educação integral da pessoa humana. Sendo uma
escola pertença da Diocese, com administração da paróquia de Resende, tem como
matriz ideológica os princípios e valores do cristianismo católico enraizados
no Evangelho de Jesus Cristo. Tem como objetivo formar pessoas fisicamente
saudáveis, culturalmente sábias, moralmente virtuosas e, se possível, espiritualmente
santas. Estes objetivos estão bem patentes no lema das nossas armas: “Labor, Scientia, Virtus”. O trabalho
como meio de obter a ciência em ordem à vivência da virtude. Sim, porque educar
é preparar para a vida, como dizia Platão “o
objetivo da educação é a virtude e o desejo de converter-se num bom cidadão”.
Somos
uma escola familiar, melhor, somos uma “família escolar”. Esta é uma marca de
referência que herdámos do passado e que queremos preservar, porque é um dos
pilares mais seguros que sustenta a construção da comunidade educativa. E,
porque a educação familiar se alicerça fundamentalmente no testemunho,
queremos prosseguir as linhas mestras da educação pelo saber ser e estar. É com
esta consciência que queremos construir uma comunidade educativa que prima por
uma postura coerente, que vive o que ensina, ou melhor, ensina vivendo. Queremos
uma comunidade feliz e realizada – que se questiona, que partilha saberes, que
vive em comunhão. “Saber ser” é o nosso objetivo primeiro e último. Queremos
que os nossos alunos sejam referência no saber pelos conhecimentos
científicos e técnicos, preparados para a vida profissional, mas queremos
também que eles sejam referência na sua conduta social e eclesial, primando
pelo cumprimento dos seus deveres como cidadãos e como crentes. Saber só não
basta. O sábio que não exercita o seu saber, atrofia a sua sabedoria. A melhor
maneira de nos inserirmos nesta sociedade como pessoas de referência é pela
coerência e pela autenticidade.
Honramos
o nosso passado, os objetivos da sua fundação e a memória daqueles que nos
precederam e se tornaram referência que a memória agradecida jamais esquecerá.
Por eles queremos dar continuidade ao Projeto que abraçámos, porque acreditamos
que vale a pena gastarmo-nos por algo que perdura para lá de nós – a Educação.
É
esta a proposta que continuaremos a fazer às famílias de Resende, a quem
compete escolher a educação que querem para os seus educandos. Esperamos que as
famílias sejam sensíveis ao nosso projeto e que as políticas educativas
respeitem esta liberdade fundamental inscrita nos Direitos Humanos e na
Constituição da República Portuguesa.
RB: Deseja acrescentar algo à sua entrevista?
JAM: Resta-me agradecer ao
“Notícias de Resende” esta deferência concedida e desejar-te a ti, Rafael, as
maiores felicidades pessoais e profissionais.