Carlos Bianchi Advogado |
Presunção e água benta, cada um toma a que quer, dizemos diariamente, mas a verdade é que a falta de memória histórica, costuma dar lugar à arrogância e ao auto elogio, que inquinam a seriedade dos discursos.
Em primeiro lugar, a organização judiciaria que existia antes de 01/09/2014, foi criada em 16 de Maio de 1832, por José Xavier Mouzinho da Silveira. Mesmo não sendo matemático, a reforma judiciária de Mouzinho da Silveira aconteceu há só 182 anos.
Em segundo lugar, há que dizer que Mouzinho da Silveira produziu uma verdadeira reforma na organização judiciária. Afinal, o diploma legislativo que procede à reforma consignava a divisão judicial do território, (criando as comarcas, afectando juízes de direito às mesmas e regulamentando os tribunais de recurso), a organização do pessoal (a nomeação e atribuições dos empregados de justiça e dos jurados) bem como determinava as matérias do domínio do processo civil e do processo penal. A actual reforma de organização judiciaria mantem a existência de comarcas, faz a afectação de magistrados e pessoal e regulamenta a organização do pessoal ligado à justiça. Isto é, neste aspecto e pelo menos formalmente nada inova.
Em terceiro lugar, a reforma de 1832 segue a nova divisão administrativa, também criada por Mouzinho da Silveira, instituindo como território das comarcas, dos municípios então criados, aproximando munícipes e tribunais de primeira instancia. A actual reforma de organização judiciária mantem a existência de comarcas. No entanto, as referidas novas comarcas correspondem agora aos extintos distritos, com excepção de Lisboa (com 3 comarcas novas), do Porto (com duas comarcas novas) e dos Açores e Madeira (cujo território corresponde ao das Regiões Autonomas). Ou seja, as novas comarcas ficam agora mais longe, dos cidadãos.
Em quarto lugar, com a reforma de 1832, o governo de então tentava colocar em cada comarca/município, pelo menos um juiz. A actual reforma tenta centralizar os juízes nas instâncias centrais da comarca e esvaziar as demais das suas competências.
Dito isto, concluo dizendo que um qualquer aluno do 11º ano, ao reflectir sobre as reformas liberais do seculo XIX, poderia sempre dizer que a actual reforma da organização judiciária, não é, nem pode ser classificada como a maior dos últimos 200 anos.
Ainda mais quando a referida reforma é inquinada por incompetência e se traduz, na prática, num retrocesso na Justiça e num ataque a quem menos tem. Mas isso é matéria para uma nova crónica de opinião que, brevemente será publicada e publicitada.