66% dos residentes nos distritos de Vila Real e Bragança rejeitam a toma de medicamentos prescritos pelo médico e, destes, 63% são portadores de doenças crónicas. Os dados fazem parte de uma dissertação de mestrado, desenvolvida na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e que constitui o primeiro trabalho sobre a adesão à terapêutica na população transmontana alguma vez desenvolvido.
“São valores preocupantes. Há doenças que não podem deixar de ser tratadas, sob o risco de porem em causa a segurança dos doentes e de outras pessoas, nomeadamente as doenças cardiovasculares e mentais”, alerta Paula Oliveira, investigadora do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB). Além disso, a também orientadora da dissertação frisa que a prática “implica um maior recurso aos cuidados de saúde e gastos acrescidos no sistema nacional de saúde e para os próprios doentes”.
Os dados apurados adiantam que 42% dos inquiridos deixam de tomar a medicação devido a efeitos secundários ou reações adversas e que 18% interrompem o tratamento por não sentirem melhorias. Já 8% da população não cumpre a medicação por falta de recursos económicos.
Além disso, a toma de vários medicamentos é responsável por 6,1% do incumprimento e 5,2% das falhas na toma resultam da complexidade do tratamento, que dificulta a toma da medicação de acordo com a prescrição médica.
“Quisemos avaliar a prevalência e a natureza da falta de adesão aos medicamentos, e quais os fatores que lhe estão associados. Concluímos que são os baixos rendimentos económicos, a idade avançada e uma baixa literacia os responsáveis por uma fraca adesão à terapêutica”, revela Paula Oliveira.
Participaram na amostra 1500 pessoas, 900 mulheres e 600 homens, com uma média de idades de 56 anos, residentes na região de Trás-os-Montes e Alto Douro.
O estudo identificou ainda os medicamentos genéricos como mais um fator determinante na influência na adesão à terapêutica.
“Para o mesmo princípio ativo existem diferentes embalagens, comercializadas pela mesma farmacêutica, o que pode induzir confusão nos doentes,” explica a investigadora.
Dos inquiridos que optaram pelo medicamento genérico, 70% referiram que a embalagem mudou nos seis meses anteriores e que quando tiveram dúvidas sobre se se tratava do mesmo fármaco, 45% suspenderam a medicação.
Os dados foram recolhidos em instituições prestadoras de cuidados de saúde, como o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, e centros de saúde e farmácias comunitárias da região.
O questionário aplicado contemplou “a caracterização sociodemográfica da população, identificação da doença base, atitudes face ao tratamento e ao uso de medicamentos, análise da relação entre doentes/profissionais e serviços de saúde e avaliação da influência dos medicamentos genéricos na adesão à terapêutica”, esclarece a investigadora do CITAB.
O estudo “Identificação dos fatores que influenciam a adesão à terapêutica: a realidade transmontana”, de Simone Moura, mestre em Biotecnologia para as Ciências da Saúde da UTAD, com a orientação de Paula Oliveira, é o primeiro trabalho realizado sobre o tema.
“Pretendemos que sirva de base para a implementação de boas práticas com o objetivo de reverter esta situação” referem Paula Oliveira e Simone Moura, que adiantam que foi criado “um folheto esclarecedor sobre a importância que tem para o doente o cumprimento da prescrição médica”.
O folheto vai ser distribuído pelas farmácias e entidades prestadoras de cuidados de saúde.
Os resultados do trabalho vão ser ainda apresentados em congressos nacionais e publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.