Nesta linha tão pouco certa onde se encontra a força, a coragem, a humidade, o perdão e a própria razão, como poderemos manter o equilíbrio? Como poderemos ter certezas no que ao nosso percurso diz respeito? Como poderemos existir em constante dúvida? Neste sofuco que nos prende, nos rouba, nos impacienta e nos despe do que somos? Estas são algumas das questões que nos consomem durante Montage of Heck, o mais recente documentário sobre a fugaz vida do artista.
Debruçado sobre o que de mais profundo se soube sobre Cobain e acompanhado dos mais importantes testemunhos, Montage of Heck é uma verdadeira obra de arte, desde a escolha das imagens à produção de toda a animação, desde a voz mecanizada que quase parece, de facto, a do cantor, até à própria banda sonora. Este documentário é, sem dúvida, a sinfonia descomplicada de um maestro demasiado confuso.
São incontáveis os artigos, os filmes e documentários sobre o mundo de um génio incompreendido, que trazem de volta à vida o que, gradualmente, se tornou imortal. Mas são poucas as obras que conseguem, de facto, transpor tão perfeitamente toda a essência de Kurt. Uma alma presa e perturbada, que apenas se libertou com a própria morte.
Nas imagens podemos contemplar um Cobain ainda inocente, puro, doce e despreocupado. A transição é cruelmente denotável e o olhar anteriormente doce acabou por ser substituído pela mágoa de não ter uma família, de não ser aceite, de ser socialmente excluído e julgado, nada compreendido, dolorosamente perdido. A sua revolta canaliza-se, assim, em letras, em acordes, em composições completas e repletas de interrogações à humanidade. Tão promissor aquele jovem de Aberdeen a quem ninguém prestou atenção.
Não demorou muito tempo até que o seu espírito fosse compartilhado, que os seus rascunhos fossem passados a limpo e que a sua música ganhasse vida. Krist, Kurt e, posteriormente, Dave, eram os três pilares de uma casa desarrumada que intitularam de Nirvana.
Voavam cadeiras, discos e colunas; gritavam-se medos, dúvidas e inconformismos; partiam-se pratos, guitarras e garrafas vazias. Os Nirvana acabaram por se tornar, em pouco tempo, a voz de toda uma geração pronta a revolucionar um mundo que os limitava, que não os olhava e os desejava cegar.
Foi assim que se deu a explosão Nirvana, foi desta forma que o mundo assistiu à negação da fama que muitos sonham alcançar e à destruição, física e psicológica, de Kurt Cobain, um ícone imortalizado pela dor de viver e de ser o que nunca foi.
De entre os relatos, nota-se a ausência de Dave e as duras palavras de Courtney. Percebe-se a revolta de uns e a compreensão de outros. Kurt Cobain irá dividir sempre o mundo pela sua existência e por todos os motivos que o levaram à decisão de inexistir. Montage of Heck é um trabalho apetecível para quem se alimentou da música do artista.
KIurt Donald Cobain, o sádico, o melódico, o dramático, o melancólico, o incompreensível, o rebelde…o que apenas desejava ser invisível. Somos ínfimos, poeira microscópica, lixo reciclável e o génio do grunge sabia disso melhor do que ninguém. Talvez nas suas repetitivas paragens de pensamento não tenha conseguido descobrir o propósito que o trouxe e o manteve e, provavelmente por isso, tenha decido ir.