Trata-se de um estudo documental, realizado pelo jovem investigador Hugo Carvalho dos Santos, no âmbito do seu mestrado em Comunicação e Multimédia e com a orientação dos docentes Emanuel Peres Correia e Leonel de Castro, que propõe uma reflexão sobre o futuro da fronteira potenciando a memória dos lugares, hoje em vias de desertificação, retratando as pessoas que, em épocas diferentes, participaram nesta atividade clandestina, bem como os percursos, maioritariamente isolados e abrigados, utilizados para o contrabando.
Com cerca de uma centena e meia de habitantes, ninguém esconde o passado da localidade ligado ao contrabando, não só de produtos e animais, mas também de pessoas que tentavam, “a salto”, atravessar a fronteira e emigrar para outros países. Com o poder central demasiado longe e durante séculos votada ao esquecimento, a povoação criou laços e métodos próprios de ligação no comércio com o outro lado da fronteira, havendo uma convivência muito próxima entre povos, que por vezes ia contra a inimizade e mesmo a guerra entre os países.
O contrabando fazia-se com o café para lá e o bacalhau para cá, mas também petróleo, lingotes de cobre, chumbo, gasóleo, cabeças de gado, vinho e outros bens. Havia códigos de ética entre contrabandistas e códigos estratégicos para enganar as autoridades. “O vinho de Espanha era ruim, mas era barato”, testemunha um dos antigos contrabandistas, que em pequeno, antes das aulas, ia ao vinho ao outro lado da raia. Num desses dias foi apanhado e preso pelos guardas com um garrafão de vinho com quatro litros. A sua mãe teve de pagar 450 escudos para o libertarem, o que “naquele tempo valia quase tanto como um bezerro”, recorda. E o vinho ainda ficaram os guardas com ele. “Nessa altura tudo comia – refere um dos testemunhos. – Os guardas também comiam. Eles ganhavam mais do que nós. Os maiores contrabandistas eram eles. Comiam bem. Quando deixavam passar um, já tinham comido dois”.
Rico de memórias de miséria e sofrimento, de histórias humanas vividas por um povo que lutava como podia para sobreviver em terras isoladas, este trabalho propõe constituir-se como “um documento que ajude na preservação e patrimonialização da memória do contrabando e da fronteira de Tourém”. Enriquecido com muitas imagens de pessoas e lugares, a rota de contrabando proposta apresenta-se como repositório da memória de uma clandestinidade corajosa com imensos registos, não apenas os ligados ao contrabando, mas também as histórias de pessoas e lugares que auxiliavam a emigração “a salto” e que acolhiam galegos fugidos à ditadura franquista. Nesta mesma rota, realça-se ainda o reconhecimento popular da capela de S. Lourenço que a tradição consagrou como padroeiro dos contrabandistas, uma vez que era junto dela que sucediam muitas das operações clandestinas, na crença de que o santo as auxiliava.