Numa entrevista concedida a João Pereira, Filipe relembra o início da sua carreira no programa Ídolos, a passagem por Londres, mas também fala do regresso a Portugal e do percurso que tem tido no mundo da música desde aí. Licenciado em Engenharia Florestal pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Filipe explica a ligação com o meio ambiente, algo que está sempre presente na sua vida e também na música, como é o caso deste projeto musical infantojuvenil “O Planeta Limpo do Filipe Pinto”.
João Pereira – O seu percurso na música acaba por conhecer o seu início no Programa Televisivo “Ídolos”. Em que medida o concurso foi importante na sua formação enquanto cantor, músico, compositor?
Filipe Pinto – Relativamente ao programa, ele deu-me uma opção, ele encostou-me à parede, foi isso que aconteceu: “ou basicamente dedicaste à música e segues este caminho ou então esquece a música e vai para engenharia florestal que é o curso que tu tiraste”. Isso fez-me pensar e decidir porque a música sempre fez parte de mim e eu sempre tive algum receio de correr esse risco. A verdade é que as coisas correram bem no programa, as pessoas acreditaram, muitos portugueses acreditaram e fizeram com que eu começasse a perceber um bocadinho do que é o backstage dos palcos. Não aprendi tudo no programa, mas o programa permitiu-me ver o outro lado das câmaras, perceber que o monstro que existia na minha cabeça dependia muito da minha personalidade e da forma como nós encaramos o nosso trabalho e a nossa vida. Sobretudo aprendi a lidar com as entrevistas, com os técnicos de som, com os apresentadores, com variadíssimas personalidades e entidades que estavam à volta do programa e isso enriqueceu-me. Depois a digressão que tivemos, a Idolomania, deu-me um lado mais profissional e só aí é que eu comecei a perceber que tinha de chegar a horas aos locais, que tinha que ensaiar previamente, que tinha de perceber mais da parte técnica, que tinha de ter uma forma de comunicar com os músicos, no fundo que tinha de ser mais profissional.
JP – Em setembro de 2010 vai para Londres estudar na London Music School, usufruir do prémio de vencedor da Edição dos Ídolos 2009. Que memórias tem dessa experiência?
FP – O curso foi importante como começo. Eu senti que a escola me recebeu de braços abertos. Inclusive, o primeiro encontro que tive com o meu diretor foi num pub, num bar e eu aproveitei logo para lhe dizer: “Martin, eu quero ter mais do que um curso aqui. Eu quero ter curso de guitarra, de piano e do que me puderes dar!” e ele respondeu: “Ok, Filipe!”. Isso fez-me logo sentir que podia absorver o máximo de informação possível naquela escola. Aos poucos e poucos, comecei a perceber que a escola estava num nível e direcionou-me para um nível [porque eu não tenho formação musical e tudo o que aprendi e aprendo neste momento é autodidatismo e por via desse curso que tive, e eu tenho noção que não estou nos 100% das minhas capacidades, há muita coisa que desconheço no mundo da música, a linguagem musical para mim ainda continua a ser uma descoberta] que permitiu-me ter as bases para começar a estudar e a dedicar-me mais à música.
JP – Regressou a Portugal e logo para promover o Festival Super Rock Super Bock pelo país, em junho de 2011, num projeto denominado “Band in a Van”. Sentiu que era um reconhecimento do trabalho que já tinha vindo a desenvolver?
FP – Senti que foi uma oportunidade que devia aproveitar. Começava a sentir [e quando estava em Londres esse foi o meu mote para voltar para Portugal] muito trabalho aqui em Portugal que estava a perder e por outro lado também tinha o disco quase pronto. Eu depois da London Music School fui para outra escola, a Merlin College, estive lá alguns meses e também foi uma escola muito específica: basicamente selecionei alguns cursos que queria fazer para aprofundar um bocadinho mais os meus conhecimentos, mas houve uma altura em que comecei a sentir que estava há tempo demasiado em Londres. Esse foi um dos grandes motes para regressar, além do disco, naturalmente. A digressão Band in a Van foi muito interessante porque foi tudo feito numa carrinha em que nós aparecíamos sem aviso prévio em cidades de Norte a Sul e começávamos a tocar canções de bandas conceituadas que iriam ao festival nesse ano e paralelamente a isso pude apresentar temas originais e, portanto, tinha uma comunicação com o público muito próxima, não havia palcos, era tudo na rua e para mim foi uma grande aventura que gostei muito.
JP – No mesmo ano, subiu ao palco de um dos maiores festivais de música do país e da europa, o Sudoeste na Zambujeira do mar. O que é que sentiu quando sabia que ia atuar para milhares de pessoas?
FP – Subir ao palco do Festival Sudoeste foi muito importante para mim, ainda estava muito “verdinho”, é certo. Há filmagens que eu agora revejo e ainda estava muito “verdinho” mais foi uma oportunidade de poder mostrar canções originais, fazer uma interpretação de canções ao vivo e pisar grandes palcos é sempre uma boa sensação.
JP – Acaba por regressar à televisão, à SIC para apresentar o primeiro tema da sua autoria “Crua Carne” que viria a fazer parte do seu primeiro álbum, “Cerne”, lançado em 2012. Como descreve esse seu primeiro trabalho discográfico?
FP – Em três etapas: antes, durante e depois do programa Ídolos. Antes porque tem uma canção ou duas que foram feitas antes de eu sequer pensar que ia para um concurso de televisão, o durante foi o processo todo que fez parte do disco e daquela interação com os concorrentes, com as pessoas, com a exposição mediática e o depois, o lado mais solitário que eu tive em Londres. “Cerne” é um disco que reflete um bocadinho os meus três estados de vivência dessa fase da minha vida.
JP – Em 2013 competiu com Mónica Ferraz, Os Azeitonas, Richie Campbell e The Fift no MTV Europe Music Award para Melhor Artista Português que acabou por vencer. Que significado teve para si a conquista deste prémio?
FP – Devo dizer que quando recebi a notícia estava na Rua de Cedofeita que é uma rua muito movimentada no Porto, estava muita gente e dei lá um grande berro! Fiquei muito feliz, naturalmente, por que estavam artistas nomeados que estão há mais anos que eu cá e nós devemos ter respeito por quem trabalha há mais anos e por artistas que no fundo fazem diferentes trabalhos do nosso e nessa altura fiquei muito feliz por representar Portugal em Amesterdão e é um prémio que eu guardo com muito carinho, foi o reconhecimento de um trabalho desenvolvido logo no primeiro disco que foi um processo que correu bem e que não podia terminar de melhor forma.
JP – Na biografia disponível no seu site é descrito como alguém que “procurou sempre um refúgio na música e uma ligação com o meio ambiente” e por isso mesmo, em dezembro de 2013 é editado o seu segundo álbum, de cariz ambiental e educativo que hoje veio também aqui apresentar ao Auditório de Cinfães – “O Planeta Limpo de Filipe Pinto” que se baseia num CD/DVD e também num livro e jogo. Pedia que nos falasse um pouco desta sua ligação com o ambiente e também deste projeto musical.
FP – Este projeto é muito simples: é tentar passar uma mensagem de que a pedagogia ambiental pode ser interativa, pode ser musical, pode ser didática e conjuntamente com a empresa Betweien desenvolvemos este projeto que consiste num livro, num jogo, num CD/DVD que remete para as questões ambientais. A poupança da água, a questão das florestas, a reciclagem, os solos, tudo isso é muito importante transmitir aos mais novos e esse foi um lema que na altura sentia com muita garra. Hoje continuo a sentir, mas sinto que as crianças já têm muita sensibilidade para estas questões mas falta reforçar esta ideia da poupança da água por que a temática da reciclagem já é um tópico muito referenciado, já sentimos que as crianças diferem bem a separação do lixo mas com as crianças tudo acontece: num momento sabem tudo, noutro momento esquecem e passam para outra. E por isso, nós temos que estar sistematicamente à frente das crianças e a projetar estes conteúdos para que não se esqueçam em idades futuras.
JP – É indissociável ligarmos a música ao seu curso superior em Engenharia Florestal. Olhou sempre para os estudos como algo que gostaria de fazer ou como uma segunda opção no caso de a música não correr bem?
FP – É assim, eu “calhei” em Engenharia Florestal em quinta opção, portanto, não era propriamente a minha primeira opção. A minha primeira opção sempre foi audiovisuais e tudo o que fosse ligado à música mas felizmente que entrei num curso que me apaixonei desde o início. Foi um curso muito prático que eu tirei em Vila Real na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) na qual os professores como tinham poucos alunos eles tratavam-nos como filhos e esse fez-nos sentir tão bem que as nossas aulas eram sempre muito práticas, no campo, a perceber as dinâmicas dos ecossistemas. Era tudo tão prático e tão interessante que me fez apaixonar. Eu vi sempre o curso como um aliado e este projeto é a prova disso, vi sempre o curso como uma mais valia, um conhecimento que pode ser canalizado para aquilo que é o meu trabalho que é a música e por isso, acho que vai estar sempre aliado. Já no “Cerne” tive essa preocupação porque esse disco é feito em material 100% reciclável e sempre que eu puder vai sempre haver qualquer coisa que vai ter uma mensagem ambiental.
JP – Sei que tem percorrido muitas escolas pelo nosso país e contatado com muitas crianças e jovens. Qual é a marca que pensa que tem deixado ou que pelo menos gostava de deixar a quem o vem ouvir?
FP – Eu acho que o que poderemos deixar aos meninos, além da parte física do CD/DVD, é a mensagem e da importância do ambiente e da sensibilidade que os meninos devem ter para as questões ambientais. Vivemos num Planeta cada vez mais desigual, não se percebe como é que no Século XXI ainda há pessoas que morrem com sede, que têm dificuldade em aceder a zonas mais limpas, que têm tanta poluição no ar que têm que usar máscaras, que vivem em autênticas lixeiras, portanto, vivemos num mundo que é muito desigual, que é muito desumano, às vezes. É preciso saber respeitar todos os seres vivos porque faz sentido todos eles existirem. Eu não estou a dizer que sou 100% correto e faço tudo direitinho porque também tenho os meus erros, cometo as minhas falhas, mas o importante nisto tudo é a consciência, é no final do dia sabermos aquilo que fizemos de errado ou não. Se nos esquecermos, pelo menos quando voltarmos a fazer termos a consciência que estamos a proceder errado. Isso é o mais importante, nem é tanto passar a ideia de que o mundo vai agora transformar-se numa coisa maravilhosa, não. É perceber quais são os problemas e perceber também que cada um de nós tem que fazer o seu papel. Nós falamos muito da reciclagem, mas a reciclagem não é os ecopontos, não é dizer às crianças “meninos separem o lixo”, a reciclagem é a transformação do lixo que vai para os ecopontos em material novo e de facto, nós temos que passar essa mensagem aos miúdos, que nós temos que reduzir a quantidade de lixo. Nós vemos “garrafinhas”, “garrafotes”, sei lá… o ser humano está com uma capacidade de criar e inventar materiais acessórios que é tão difícil o Planeta suportar isso num espaço a que chamam aterro ou nas lixeiras que existem e nós começamos a ver esses sintomas sobretudo nos oceanos. Os oceanos e as praias são autênticos depósitos de lixo, infelizmente. Vemos o plástico como um material cada vez mais usado, o Homem está a exagerar na quantidade de plástico que produz, e o plástico é algo que é muito difícil, quando ele é degradado, de identificar. Nós dificilmente conseguimos distinguir um grão de areia de plástico quando ele é deformado e por isso, isso mexe muito comigo e com as pessoas que são sensíveis a isto porque estamos a tornar o Planeta um sítio complicado para vivermos. No fundo, estas mensagens são muito importantes e o lema deste projeto é no fundo esse: através de uma simplicidade de canções, de mensagens, de teatro e de ilustrações dar-lhes [às crianças] um bocadinho desta sensibilidade.
JP – Em 2016, “O Planeta Limpo de Filipe Pinto” atinge os 18 000 livros vendidos, chegando à 7ª Edição. Esse é um sinal da aceitação do público?
FP – É um sinal muito positivo. O projeto está a ter esta longevidade muito por culpa das pessoas e das crianças que gostam, que dão os seus sorrisos e dos professores que também têm tido um papel fundamental na divulgação do projeto nas instituições, nas autarquias. Este projeto é muito institucional e às vezes perguntam-me porque é que não ouvem este projeto nas rádios ou nas televisões e eu acho que isso tem a ver com momentos: o projeto teve uma fase mediática, de exposição, mas as coisas agora são tão acessíveis na internet e a partir daí o passa palavra funciona tão bem que acabamos por conseguir chegar a mais e a mais crianças.
JP – “E tudo gira” é o seu terceiro álbum, lançado no ano passado e editado pela Sony Music. É um disco diferente d’ “O Planeta do Filipe Pinto”, mais de encontro ao primeiro ao álbum ou nem um nem outro?
FP – O Planeta Limpo é um projeto distinto, não o posso enquadrar como um terceiro disco. Eu, Filipe Pinto, como autor tento escrever canções para todos, não especifico um setor ou um público e, portanto, este disco “E tudo gira” é o meu segundo disco, pode-se dizer assim. É um disco que dá continuidade ao “Cerne”, é mais alegre e a sensação que eu tive nele era de que seria um disco sorridente, que conseguisse transmitir essa mensagem do sorriso e de força, de que as coisas muitas vezes correm mal mas nós temos que superá-las e não partir só para as palavras, partir para a ação que é o mais difícil e as canções remetem para essa ideia. Participaram muitos músicos neste disco, eu quis que fosse um disco que tivesse mais de trinta músicos, no fundo para ter uma maior abrangência de diferentes rasgos musicais. Espero continuar a promover este CD, a mostra-lo às pessoas, vou fazê-lo, tenho a certeza. Estou agora a promover o meu terceiro single, e em princípio vou agora fazer um novo videoclipe para ele e espero que este começo de ano seja favorável para um disco que a mensagem é “E tudo gira”: a nossa vida está sempre a girar, há ciclos altos, há ciclos baixos. Até o Planeta gira, tudo gira e essa é a mensagem que eu queria transmitir ao disco e nos espetáculos ao vivo, às vezes sou um bocadinho “fala-barato” de mais, mas esse lado meu sempre foi muito evidente, não no programa [Ídolos], mas quando contato com as pessoas e esse é um lado que eu quero transmitir nos concertos, de conversa, de família, de sala de ensaio quase.
JP – Qual a importância para si de dar concertos, estar em palco, de sentir o público? É o mais importante na vida de um músico ou prefere a parte mais intimista de compositor ou até de estar em estúdio a gravar?
FP – Eu gosto das duas porque ambas são componentes do meu trabalho. Eu gosto da parte em que estou em estúdio ou que estou a compor, gosto muito da sensação de ir a estúdio, de trabalhar ideias, de estar com o produtor e vermos a música, trabalharmos a letra, que tenho feito, confesso, de uma forma muito solitária e agora estou a tentar abrir esse espectro, alargar o meu horizonte e na parte de criação e de composição ser um bocadinho mais aberto nessa frescura de outras ideias porque o que eu tenho feito normalmente é compor as canções e depois pedir os arranjos a vários músicos para a música ficar grandiosa e composta. A sensação de estar em estúdio é muito boa, mas também o palco é ótimo. Nós tivemos uma digressão no ano passado que também foi maravilhoso porque nós estivemos em diferentes coretos do país com o apoio da SIC, da Visão e da Delta Q. Nós temos coretos lindíssimos que muitas vezes são esquecidos e foi uma oportunidade para eu estar com as pessoas, cantar os temas originais, lá está, esse palco que é quase rua, esse palco que é quase não haver estrados é o melhor palco para mim, é o que eu mais gosto. A sensação de energia do público quando a recebes é fundamental para que sintas o teu trabalho reconhecido.
JP – Falou há pouco do terceiro single que vai agora promover, para além disso há algum projeto novo para breve?
FP – Sim, estou a tentar fazer um projeto ligado a teatro musical, mas que ainda está um na gaveta porque tenho que dar agora prioridade ao terceiro single e ao Planeta Limpo. Tenho também alguns concertos que estão a ser agendados que tenho que preparar e por isso, agora estou-me a focar também nessa vertente quase de interprete, de compositor, de entrevistado, portanto, é tudo um pouco, mas isso faz parte do meu quotidiano e tenho-me habituado assim.
JP – Está a fazer aquilo que um dia imaginou que ia estar a fazer? Que balanço é que faz da sua carreira até agora?
FP – Não imaginei. Tudo o que nós imaginamos, é fruto da nossa imaginação, vai sair sempre um bocadinho diferente, mas o que eu disse desde o inicio é que estou muito feliz pelo trajeto que tenho feito. Há muitas pessoas que me dizem “agora já não apareces na televisão” e eu tento explicar “eu não sou apresentador de televisão, eu sou músico. Vocês se calhar ouvem as minhas canções nas novelas, mas eu não estou lá” e a verdade é essa: eu tento ao máximo dedicar-me a uma profissão que é sazonal, mas que vivo neste momento, desde o programa [Ídolos], ligado à música e espero continuar. No momento em que isso não acontecer, em que eu sentir que não tenho capacidades para continuar ou que começo a sentir mais tristeza do que alegria é o momento de mudar e de girar. Isso faz parte da nossa vida, termos a consciência de que a vida não está estagnada, nós não vamos fazer uma coisa para sempre. Há muitas coisas que eu gostava de fazer na vida e espero ter oportunidade de as fazer, por isso, vamos ver.
JP – Obrigado Filipe!
FP – Obrigado eu!